Farpas de Gelo



~ segunda-feira, janeiro 28, 2002
 
Capítulo XII

A porta do apartamento de Alea se abriu, dando passagem a ela e Arthur. Antes mesmo de terminar de passar sob a moldura da mesma, Alea já tinha chutado os sapatos longe. Um deles atingiu um vaso que havia em cima da mesa, derrubando-o e espalhando as flores de cerâmica pelo tampo. O outro caiu embaixo da estante. Ela se atirou de costas no sofá, com um longo suspiro, e permaneceu ali de olhos fechados. Parecia ter simplesmente desligado. Arthur seguia silenciosamente atrás. Sentou-se numa cadeira perto da mesa e ajeitou o vaso, enquanto se perdia em pensamentos.

Ficara uma hora esperando do lado de fora daquela sala, depois que JP, instruído por Aleph, pedira "gentilmente" que ele se retirasse. Era óbvio que JP não gostava dele, e atiraria nele na primeira oportunidade. E o fato dele ser conhecido do Capataz-Mor apenas agravara a situação. Arthur se sentia sinceramente desolado. Até pouco tempo atrás, ele realmente nutria esperanças de que sua memória fosse voltar e ele se descobrir um homem mundando voltando para sua vida mundana. Mas aquilo era tudo muito estranho. Ele fora envolvido em algo além de seu âmbito - uma guerra, ele ouvira! -, por aquela estranha mulher, e de certa forma se tornara uma peça-chave de uma trama que ele nem ao menos sabia o que era. E tudo isso em um único dia.

Não sabia o que eles haviam conversado durante aquela hora dentro da sala. E algo estranho havia acontecido, também. Ele tentara ouvir através da porta. E mais uma vez os sons a seu redor começaram a crescer, mas dessa vez ele estava preparado. Ele conseguiu controlar sua sensibilidade auditiva, e descobriu que podia ouvir coisas muito distantes, ou de volume muito baixo. Mas, apesar de tudo, não conseguira ouvir além da porta. Nada! Ele ouvira o barulho das folhas caindo no asfalto, em algum lugar longínquo, mas após a porta, era como se ninguém nem mesmo respirasse.

Tudo aquilo o perturbava muito. Ele podia não ter memória, mas ainda tinha um senso muito concreto do que era a realidade. E aquele dia estava escapando pela tangente de seus conceitos.

Nesse momento, Alea abriu os olhos. Olhou para ele, com uma expressão de esfinge, e se pôs sentada, dizendo:

- Desculpa neném... tô sendo antipática, nem arrumei um cantinho pra você. Faz o seguinte, hoje você dorme no sofá, tá? Eu me viro com o colchonete.

- Não, imagina, eu durmo no chão... - Arthur ia se levantando, mas Alea deu aquela gargalhada alta dela, e ele parou, sentindo um calor esquisito no estômago. Ela disse, ainda rindo:

- Mas claro que isso é só por hoje! A partir de amanhã, o chão é seu, que eu não sou besta! Mas você é um cara legal, merece um descanso melhor hoje. - E piscou um olho para ele. Com isso, ela levantou-se para buscar um colchonete velho em um armário alto na parede. Ele ficou quieto, observando-a. Era estranho como desde a primeira vez que a vira, ele ainda se pegava a observá-la como uma recém-chegada. E ela realmente tinha se comportado como uma mulher diferente a cada minuto desde aquele momento. Isso o deixava desconfortável, mas ao mesmo tempo curioso. Ou melhor dizendo, fascinado. Poucas vezes, ela estando por perto, ele tinha prestado atenção em qualquer outra coisa. A única e notável excessão havia sido mais cedo, com Aleph. Arthur ainda sentiu um arrepio quando lembrou do estranho senhor. Afastou essas coisas todas do pensamento, e começou a arrumar o sofá para se deitar. Alea viu e exclamou:

- Ah! Que lindinho! Você vai me ajudar a arrumar, neném? Merece um beijo!

E, ágil como uma naja no bote, sapecou-lhe um beijo no rosto. Ele não teve tempo de reagir, e foi como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta. O rosto dela se aproximava do dele, e ele sentia o calor que emanava dela aquecer sua face direita, mais e mais, até ela estar quase queimando. Então os lábios dela encostaram em sua pele, e ele sentiu como um par de brasas que lhe tocavam, e o calor desceu por sua espinha e se espalhou pelo corpo, fazendo o suor aflorar instantaneamente. Ele gritou, e pulou instintivamente para trás, caindo sentado no sofá, o coração quase arrebentando seu tórax, ensopado de suor, deixando Alea beijando o vácuo. Ela se assustou também, se empertigando. Então a expressão dela se amuou, e ela disse, em voz baixa, meio sumida:

- Pô... foi mal.... desculpa, não faço mais....

Eles se encararam um tempo, ele com cara de quem olhava para um monstro enorme e ameaçador, ela com cara de criança que fez bobagem sem intenção. De repente, ela se virou e começou a ajeitar o colchonete, sem falar mais nada, e ficou ali três vezes mais tempo do que o necessário, arrumando as pontas do lençol, tirando vincos, ajeitando o travesseiro incessantemente. Ele percebeu que ela havia se chateado, e inclinou o corpo pra frente, estendendo a mão para encostar em seu ombro. Sua mão tremia, mas ele aproximou-a decididamente, e a pousou no ombro de Alea. Para seu alívio, a mão não queimou nem nada de estranho aconteceu. Alea parou de se mover no momento em que ele a tocou, mas não olhou para ele. Arthur então disse:

- Desculpe... eu não...

- Queisso, desculpa eu! - ela retrucou, virando-se para olhar em seus olhos brevemente, com um olhar sincero, e depois se levantando. A mão dele escorregou e caiu em seu colo, inerte. Ela foi até a cozinha, e ele, suspirando, virou-se para terminar de arrumar o sofá. Não falaram mais nada um com o outro naquele dia. Ele se deitou virado para a parede, e ficou ouvindo os barulhos dela andando pela casa. Alguns minutos depois ela se deitou no chão ali perto, e aquietou-se. Arthur pôde ouvir quando a respiração de Alea denunciou que ela havia adormecido. Então ele se ajeitou novamente, e fechou os olhos, esperando o sono chegar. E estava quase adormecendo, quando sentiu. Outra vez, pontadas gélidas em sua cabeça, dolorosas e agudas, que penetravam rápida e eficientemente em direção ao centro de sua mente. Ele se contorceu e tentou gritar, mas antes que pudesse, tudo escureceu a seu redor.


Fim do Capítulo XII
~ quinta-feira, janeiro 24, 2002
 
Capítulo XI


Arthur não saberia como descrever a sensação que a presença de Aleph lhe causava. De algum modo, ele não conseguia desviar a atenção do senhor grisalho. Havia algo nele que fazia os pelos de sua nuca se eriçarem, uma sensação quase de perigo iminente, embora ele tivesse um semblante sereno e simpático, quase paternal. Mas Arthur não tirava da cabeça o olhar temeroso de Alea quando confrontando o pai. Enquanto pensava sobre o assunto, ele viu Aleph tomar seu lugar sobre o engradado novamente, e todos se posicionarem ao redor do tapete, como se ele fosse uma mesa de reuniões. Alea sentou-se no chão mesmo, tirou alguns papéis da pasta, e abriu um recorte de jornal sobre o tapete para que todos pudessem ver. Por um momento, todos - exceto Nil, que, a julgar pela expressão em seu rosto, Arthur pôde dizer que não sabia ler - observaram o recorte, e suspiraram quase que em uníssono. Alea olhou para o pai:

- Viu o que eu disse?

Aleph lentamente balançou a cabeça de um lado para o outro:

- Ele perdeu a cabeça. Por que ele está trazendo a guerra para cá? Ele simplesmente se esqueceu do que pode acontecer?!

- Já faz três semanas que ele tá agindo assim, pai. - continuou Alea - EU acho que ele endoidou de vez. Ou que perdeu a noção. Tá afim de uma chacina mesmo. Mas a gente tem que agir! Não dá pra continuar deixando! Três semanas é tempo suficiente pra saber que não foi por engano! - ela bateu a mão aberta sobre o artigo, os olhos sobre o pai, como que implorando por uma certa resposta já esperada. Aleph olhou para o teto, depois fechou os olhos, e suspirou. Ficou assim um instante, o qual Arthur aproveitou para espiar o recorte. A manchete dizia:
"

Capataz-Mor Anuncia Grande Empreendimento



  Após vários anos aparentemente ignorando o fato, o Capataz-Mor Seikewikz anunciou ontem..." - Arthur sentiu um estalo no fundo da mente. Seikewikz. Seikewikz. Ele conhecia aquele nome! Não lembrava de onde, mas tinha plena certeza de que já o ouvira bastante. Seu coração acelerou, e ele se aproximou para ler melhor. - "...anunciou ontem que a capacidade da província de sustentar seus cidadãos está se aproximando perigosamente do limite, e que está na hora de anunciar um empreendimento mais significativo na área de habitação. Foi ontem, em uma coletiva muito antecipada, que ele anunciou a anexação dos guetos do leste. A decisão foi recebida com muita festa por todos, embora tenha sido expressa uma certa preocupação com os habitantes dos guetos. Mas Seikewikz garantiu que eles serão relocados para outra região com segurança, e que a Força de Paz da Provínica está preparada para organizar a operação com o máximo de eficiência. A entrevista seguiu com uma apresentação do projeto aprovado, que mostra novas áreas de lazer, novos bairros residenciais, inclusive um novo estádio..." - Arthur parou de ler e apenas procurou mais alguma referência a Seikewikz no resto da matéria, mas não havia nada. Ele se virou para a parede, a cabeça baixa, o olhar concentrado... de onde é que conhecia esse nome? Lhe parecia tão familiar... bem, ele pensou, ele era o Capataz-Mor da Provínicia, e isso parecia um título importante. Vai ver era natural q ele conhecesse o nome. Mas algo lhe dizia que era uma coisa mais pessoal... como um grande amigo... a voz de Aleph quebrou o silêncio:

- Bem, eu não sei o que aconteceu com ele, mas sei que ele está ignorando deliberadamente os acordos. Ele sabe que não temos condições de sobrevivência se nos aproximarmos um quilômetro que seja daquele deserto, e sabe que iremos resistir se ele tentar nos relocar. E isso não faz sentido. Por que ele pretende arriscar a posição dele travando uma guerra dentro da própria casa?

- Ele sempre foi um retardado, papai - Alea disse com nojo na voz. Mas Aleph retrucou:

- Não, Lessa. Ele sempre teve valores próprios, diferentes dos nossos. Ele sempre colocou a escolha de vida dele acima da dos outros. Mas o Ron que conheci não chegaria a esse ponto.

- Ron! - Arthur exclamou em voz alta, chamando a atenção de todos na saleta - Ron, de Ronald! Ronald Seikewikz!

- Cê sabe o nome dele? - perguntou JP, extremamente desconfiado. A mão recaiu irriquieta sobre o bolso novamente. Arthur olhou para ele, depois para Aleph, com um olhar confuso:

- Eu... eu sei o nome dele. Eu conheço esse nome, mas não sei daonde.

- Bem - disse Aleph, levantando a hipótese - Ele é o Capataz-Mor da Província. Você foi achado lá dentro, e tem aparência de um morador de lá. É extremamente provável que o conheça de nome.

- Não! - Aleph continuou - Não sei o que é, mas tenho a sensação de que já ouvi bastante esse nome. Me traz a sensação de proximidade, como se ele fosse um grande amigo, sei lá.

Alea olhou, a boca entreaberta, olhos arregalados:

- Você... é amigo de Ron Seikewikz? - E por um instante, ela continuou estarrecida. Depois seu olhar de súbito faiscou, e ela gargalhou alto - Não é possível! Papai, a gente ganhou na loteria!

Ela e Aleph olharam para Arthur, e ele sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Algo estava para acontecer. Algo que ele não ia apreciar nem por um segundo.


Fim do Capítulo XI.
~ segunda-feira, janeiro 21, 2002
 
Ok, eu adiei muito esse post, mas ele se torna necessário para que as pessoas não pensem que a página morreu: Estou em época de provas (sim, creiam) na faculdade, e ALÉM disso estou com bloqueio de escritor. O capítulo XI já está metade escrito há dias, mas não consigo terminá-lo... e a impossibilidade de me concentrar nisso não está ajudando. Mas não desistam, caros leitores. A história continua, e ainda há muita coisa a ser dita...


O Autor
~ terça-feira, janeiro 08, 2002
 
Capítulo X

Ele olhou para Alea, estranhando. Arthur? De onde viera isso agora? Ela olhou de volta, sondando sua aprovação para o novo nome. Ele deu de ombros. Era um nome bom como qualquer outro. Na verdade, era até sonoro. Ele gostara. Estranho era ela, uma mulher tão senhora de si, se importando com a opinião dele. Mais uma vez, ele - Arthur - percebia que havia mais em Alea do que uma primeira análise poderia revelar. Ou uma segunda, ou uma terceira. Ou qualquer análise.

O velho se manifestou:

- Olá Arthur. A não ser que Alea tenha explicado algo a você, coisa que me surpreenderia, suponho que você não faça nem uma remota idéia de onde está ou quem somos.

O senhor, levemente grisalho, pele avermelhada de sol, de olhos castanho-claros como mel e rugas precoces no rosto, era carismático. Era a primeira pessoa que tratava Arthur sem desconfiança, logo de cara. Ao contrário dos outros três ali presentes, que olhavam tão atentamente para ele, que ele podia sentir seu corpo aquecer. Eram olhares duros, especialmente do que se encontrava ao lado do velho. Arthur o reconheceu como o garoto que o rendera horas mais cedo, o que Alea chamara de JP. Ele olhava para Arthur como um tigre olhando para uma gazela que passeasse sobre seu canto de dormir. Quase rosnava. Instintivamente, Arthur cerrou seus dentes, e sentiu seus pelos eriçarem e o coração acelerar, bombeando adrenalina. E mais uma vez, o som das batidas de seu coração começou a ficar alto, ecoando pelas paredes da sala. Parecia que todos podiam ouvir num raio de quilômetros. Mas dessa vez, ele fechou os olhos, se concentrou, e para sua surpresa, o barulho parou de lhe machucar ou ensurdecer. Agora era apenas como se as coisas estivessem mais nítidas, cristalinas. Abriu novamente os olhos, e percebeu que os olhares hostis dos outros - exceto de JP, que ainda o fulminava - haviam dado lugar a uma interrogação. O que havia aberto a porta - Marcel, ouvira Alea o chamar - Aparentava vinte anos, era esguio e muito alto, tinha um cabelo curto e espetado, sujo, e olhos muito pretos. Não parecia hostil, nem tampouco amigável. Estava mais como que analisando Arthur com o olhar. O mais novo, Nil, tinha olhos verde-escuros, grandes e nervosos. Não devia ter mais de 1,65m e era magro, mas com músculos definidos e visíveis. Seu cabelo era raspado quase que inteiramente, mas suas sobrancelhas revelavam uma cor enferrujada. Sua boca estava levemente aberta, e Arthur notou que ele desviou o olhar rapidamente dele para Alea, e para ele novamente, e depois o olhou de cima a baixo. Parecia assustado, ou talvez apreensivo, ele não entendia bem. Sentiu que todos esperavam que ele dissesse algo, então o fez:

- Pra falar a verdade, não faço mesmo. Aliás, não faço nem idéia de quem eu seja, quanto menos vocês.

Interrogações nos semblantes de todos. Alea se prontificou:

- Eu encontrei esse cara na casa do Dr. Sehvock, papai. Ele estava sem memória e sem roupas, e não tava passando bem. Eu trouxe ele até em casa, e dei esse nome pra ele. Mas na verdade nem ele nem eu sabemos quem é, ou de onde veio.

Papai? Aquele senhor era o pai dela? Bem, isso explicaria o fato dela estar se comportando como uma menina desde que entrara, e de estar apresentando-o ao senhor como quem achou um cachorro na rua e quer adotá-lo. "Eu dei esse nome pra ele"! Isso soaria muito engraçado, se não fosse trágico. O senhor o examinou, e perguntou, olhando para ele:

- Então você apareceu na casa do velho Bern, sem memória? Isso é definitivamente estranho. Ainda mais estranho uma semana depois da morte do homem. Na verdade, Lessa, foi um risco enorme trazer ele pra cá. - a voz do senhor parecia repreensiva, mas não severa. Arthur chegou à conclusão de que a "Lessa" a quem ele se referia era mesmo Alea. Ela olhou para o chão, envergonhada. Estava realmente parecendo uma menina de dez anos. Arthur notou que Nil não tirava mais os olhos dela, e sua respiração havia pesado mais. Ela falou, quase para dentro:

- Achei que não tinha problema, pai.... você sabe que eu sou boa em julgar as coisas, né? Eu achei que ele é boa pessoa, sei lá, eu tive uma sensação daquelas quando bati o olho nele. De que a maré tá pra virar. Você conhece.

O velho se levantou, e andou em direção a ela. Estava sorrindo, embora ela não pudesse ver, pois ainda olhava para o próprio pé. Ele passou a mão na nuca dela carinhosamente, e ela pareceu suspirar aliviada. Arthur se perguntou qual seria a razão para um temor tão grande, se até o momento, aquele senhor tivesse parecido tão amável e calmo. O velho disse para Alea, que ainda não olhava em sua direção:

- Lessa, eu sei disso. Sei que você tem discernimento, sei muito bem. Um discernimento que você não adquiriu com experiência, inclusive. - Arthur não fez a menor idéia do que aquilo significava. - Mas querida, você deveria ter avisado antes. Não foi muito esperto esperar para apresentá-lo numa reunião. E pior, trazer ele até aqui e não avisar aos outros. Jeronimo me contou do incidente na rua.

Então o velho já sabia dele. Isso explicava a ausência de desconfiança prévia. Alea permaneceu muda. O senhor voltou a sentar-se no engradado, e disse para Arthur:

- Pois bem, meu jovem. Arthur, se o nome que minha Lessa lhe deu for realmente de seu agrado. Seja benvindo ao nosso pequeno e subversivo movimento. O que fazemos aqui é altamente segredável, e as coisas que você presenciar não deve atravessar essa porta, entendido? Podemos confiar em você, Arthur?

Os olhos do senhor encontraram os seus, e foi como se o resto da sala ficasse em segundo plano. Ele se sentiu invadido, revirado e examinado minuciosamente por aqueles olhos. Era perturbador. O contato durou alguns segundos, até que ele conseguiu desviar o olhar. Olhando para a janela na outra parede, Arthur respondeu:

- Sim, podem. Não é como se eu conhecesse alguém além de vocês para sair espalhando coisas, mesmo.

O velho sorriu, e levantou-se, andando na direção dele. Os outros abriram caminho quase que em sincronia, dando incidentalmente à cena um ar de cerimônia. O senhor estendeu a mão para Arthur, dizendo:

- Muito prazer então. Eu sou Aleph.


Fim do Capítulo X
~ segunda-feira, janeiro 07, 2002
 
Capítulo IX

A sala era pequena, dois por três no máximo. Não havia móveis, apenas alguns engradados de cerveja espalhados e um tapete muito velho, mas curiosamente limpo, no centro da sala. Quatro homens já se amontoavam ali dentro, três relativamente jovens e um mais velho, todos vestidos com roupas simples e frescas. Fazia muito calor ali dentro, e a pequena janela no alto da parede oposta à porta estava escancarada, o que não fazia muito para ajudar a situação. A sala estava silenciosa. O velho estava sentado em um dos engradados com um jornal enrolado sob o braço, e os outros em pé, um deles escorado na parede. Todos olhavam para o chão. O mais jovem, que aparentava quinze ou desesseis anos, olhou o relógio.

- Que aconteceu? Ela nunca atrasa?

Não houve resposta. O silêncio voltou a pesar. Uma pomba pousou na janela pelo lado de fora, olhou curiosa para dentro, e voou novamente. E por mais alguns instantes, não houve outro som senão o de suas asas se distanciando. Até ouvirem três batidas características na porta.

- Até que enfim! - Exclamou o mais novo. Todos se mexeram ao mesmo tempo, como que animados por mágica. O velho apenas se empertigou no engradado, e olhou para a porta. O rapaz que estava escorado na parede dirigiu-se até ela, abrindo uma fresta para espiar. De repente, fechou a porta afobadamente e virou-se para o velho com olhos arregalados.

- Que foi? - perguntou o senhor. - Não é a Alea?

- É... - disse o rapaz - E tem um cara com ela!

Uma expressão interrogativa se abateu sobre os semblantes do velho e do mais jovem. O outro rapaz se virou na direção da porta e esboçou um passo, levando a mão ao bolso do calção e agarrando a coronha de uma arma, mas com um gesto de braço o senhor o impediu:

- Fique calmo, Jeronimo. Vamos tentar descobrir o que está acontecendo antes de distribuir tiros, está bem? - e se virando para o garoto da porta - Como é esse sueito?

- Nunca vi na vida. Parece normal, tá vestido normal. Nem muito burga nem muito ralé... e tem uma cara meio de idiota.

As batidas na porta se repetiram, dessa vez com mais força. O velho deu de ombros. O garoto então virou-se e abriu a porta lentamente.

Alea estava com uma expressão contrariada, mas logo riu marotamente. Entrou na sala com seu característico passo firme, passando um dedo de leve pelo queixo do rapaz que abrira a porta e dizendo:

- Ei, Marcel, não sabe que é feio deixar uma dama esperando? - e piscou um olho. Marcel sorriu, e o outro garoto, o mais novo, deu um passo rápido e desajeitado na direção deles, colocando-se quase entre os dois, e dizendo com um sorriso e uma voz num tom incerto:

- Oi, Alea! - e ficou ali parado, esperando. Alea deu uma risada incontida, gostosa, e afagou o pouco cabelo do menino:

- Oi, Nil. Saudades de você, neném. - e beijou seu rosto. Apenas Marcel percebeu a expressão no rosto de Nil e virou-se para a parede para não rir abertamente. Alea ainda olhou na direção do terceiro rapaz e disse:

- JP...

JP respondeu com um aceno de cabeça, o rosto sério e inalterado. Nessa hora, todos na sala se viraram para ver a figura que entrava desconfiadamente porta adentro. Ele parou, intimidado, percebendo a hostilidade em todos os olhares, exceto o do senhor. Alea lançou para ele um olhar calmo, reassegurador, e disse em voz alta para todos:

- Gente, esse é um amigo meu. Queria que vocês o conhecessem. - e apontando com os braços, num gesto de apresentação - Galera, esse é o Arthur. Arthur, essa é a galera.


Fim do Capítulo IX.

Powered By Blogger TM