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~ sexta-feira, dezembro 28, 2001
Ufa. Taí. Demorou, mas eu coloquei tudo o que faltava, sem excessão. Agora o esquema vai ser de novo de dois em dois dias, e se eu tiver que atrasar mais alguma vez, eu aviso com antecedencia. Espero que ninguém tenha desistido do conto só porque eu demorei um pouquinho para atualizar. Alíás, sintam-se livres para comentar os capítulos no comments ou deixar uma crítica no Livro de Memórias... só com feedback é que eu vou saber se o conto tá agradando ou não, o que mudar e o que deixar como está. Assim a qualidade do conto só aumenta.
É isso aí, e até o próximo capítulo.
O Autor
Capítulo VIII
Ele se atirou no sofá, exausto. Só faziam 10 minutos que ele se levantara daquele mesmo sofá, mas parecia que tinha passado por várias horas de esforço físico e mental. Não queria se levantar dali pelo resto do ano. Deixou seu corpo relaxar, esvaziou a mente, e por vários minutos só ficou ali em silêncio. Então, abriu os olhos e pôs-se a observar aquela mulher tão singular, absorta entre alguns papéis na mesa do canto. Quem era ela? Por que ele se sentia tão impelido a achar a resposta para essa pergunta. antes mesmo de descobrir sobre si mesmo? Não fazia sentido o magnetismo que ela emanava. Ele se sentia incomodado com isso. Ela o ofuscava. Tivesse sido qualquer outra pessoa a encontrá-lo no início da sua amnésia, ele poderia saber muito mais de si mesmo agora. E no entanto, saber dela era quase tão importante. E ele estava em um lugar onde nunca tinha estado antes, perdido e... Ele parou o pensamento no meio. Como sabia que nunca tinha estado ali antes? Era estranho, mas de certa forma ele sabia. Como é que ele podia lembrar coisas tão desconexas e triviais, e não saber o próprio nome? Aquilo começava a revoltá-lo.
Um suspiro interrompeu suas divagações. Voltou a observar Alea. Ela estava séria, desde que chegara. Até mesmo a maneira como chamara a atenção do menino lá fora, em voz baixa e afastada, para que ele não ouvisse, pareceu ser séria demais para o feitio ela. Ou ela era sempre séria, e ele a tinha conhecido num dia incomum? Não, ele podia dizer que algo grave perturbava ela, estava em seu olhar, em seu... cheiro? Seria possível?
Ela se espreguiçou longa e demoradamente, esticando-se para trás na cadeira como uma gata, deixando escapar um gemido baixo, e depois suspirou mais uma vez. Juntou os papéis que lia e atirou de qualquer maneira numa pasta, e depois segurou a cabeça entre as mãos, passando os dedos pelo próprio cabelo, apoiando os cotovelos na mesa e fechando os olhos, e assim ficou por um tempo. Ele a examinou. Estava agora vestida bem mais casualmente do que na primeira vez que a vira. Usava um short velho de brim, uma camiseta cinza solta, e sandálias. Não tinha qualquer maquiagem, mas mantinha um par de brincos e uma correntinha dourada, além de alguns balangadãs no pulso. Ela parecia tão exausta quanto ele, e a ruga em sua testa denunciava algum grande peso em seu coração. Por um instante, ele teve ímpeto de levantar-se e ir até ela, e não o controlou. Quando deu por si, já estava no meio do caminho entre o sofá e a mesa, e ela abriu os olhos, se virando para olhá-lo. Escolhendo as palavras, ele perguntou:
- Tem alguma coisa te incomodando?
Ela sorriu um sorriso meio triste, adquirindo um ar de meiguice que ele nunca havia imaginado naquela mulher:
- Muita coisa, neném. Muita coisa. Estamos numa época crucial agora, temos que decidir se vai ou se racha. Mas as chances dizem que é muito mais provável rachar.
Ele não fazia idéia sobre o que ela estava falando. Para não deixar a conversa morrer no vácuo, ele mudou o assunto:
- As crianças da sua rua tem uns brinquedos assustadores, não acha?
O semblante dela se fechou, ela olhou para o nada:
- Acha que aquilo é brinquedo? Eu também detesto ver uma criança armada, tanto quanto qualquer um. Mas é aquilo que tem colocado comida na mesa deles nos últimos vinte ou sei lá quantos anos... Se pelo menos os idiotas usassem elas pra mudar a situação deles, e não se matarem pelas migalhas que nos jogam... Ah, mas é difícil demais fazer esses babacas entenderem. - Uma amargura se insinuou na voz dela, como a ponta de um enorme iceberg que se deixa vislumbrar. Ele se calou. Não tinha o que dizer. Sentiu que não entendia nada do que acontecia ali, e que não devia se meter. Mas, para sua surpresa, não foi o que ela pensou. Afastando a sombra, ela sorriu novamente um sorriso maroto, olhou para ele e deu uma piscada:
- Mas sabe que agora que você apareceu, eu sinto que você pode ser um amuleto de boa sorte? - e gargalhou com essa última frase, como se tivesse sido uma piada engraçadíssima. Ele, para variar, não entendeu. Ela se levantou, olhando o relógio na parede:
- Na verdade, tem uma reunião pra começar agorinha mesmo, e eu acho que não faz mal levar você. Não faz mal mesmo! Você vem? - Ela perguntou, enquanto apanhava a pasta com os papéis e se dirigia para a saída. Abriu a porta, e parou ali, esperando por uma afirmativa ou uma negativa. Ele olhou para ela desconfiado. Não fazia a menor idéia de que reunião era essa ou sobre o que tratava. Mas algo no olhar de Alea fez ele entender que ela realmente achava que a presença dele lá faria alguma diferença. Ele ponderou mais um pouco, até que cedeu:
- Ora, o que eu tenho a perder, não é mesmo?
Ela sorriu. Ele se dirigiu à porta, retribuindo o sorriso, e juntos eles deixaram o apartamento.
Capítulo VII
Houve um silêncio. Não um silêncio total, mas era como se tivessem colocado algodões em seus ouvidos, e mesmo o mais forte dos barulhos parecesse abafado e longe. Ele abriu os olhos novamente. Podia ver agora. Estava na calçada de uma rua pequena, praticamente sem automóveis. Prédios baixos e sujos ladeavam a via em alguns pontos, em outros terrenos baldios contribuiam com árvores e grama alta. O sol já lançava sombras cada vez mais compridas, e poucas nuvens corriam apressadas pelo céu azul-cinzento. Aqui e ali haviam pessoas. Algumas mulheres, em trajes simplórios, conversavam na rua, uma outra estava sentada em uma caixa de madeira ao lado de algumas crianças esfarrapadas, e havia ao longo da rua 3 ou 4 homens, ainda jovens. Todos, sem excessão, estavam agora parados, olhando para ele fixamente.
Ele se recompôs, mas não se moveu. Não saberia explicar o que acontecera se algum deles o perguntasse, e também não achava que eles estavam interessados. O semblante de todos ali traduzia apenas uma frase: Quem diabos é você?!
E infelizmente ele também não saberia responder a isso. Pensou em o que faria agora. Para que lado ir? Olhou para um, para outro, e encontrou as mesmas expressões de curiosidade em todo o lugar que via. Agora, também algumas pessoas tinham vindo para a janela ou saido para a rua, para ver o que estava causando a confusão. Ele tinha que sair dali rapidinho. Abaixou a cabeça e se virou, pronto para uma retirada estratégica. Mas esbarrou em algo.
Olhou para o "algo" e viu que era um "alguém". Ou ao menos parecia. Era um moleque, de uns dezessete anos, numa roupa que fazia a sua parecer um traje de gala. Havia uma alça em seu ombro, e preso na outra ponta dela... ele custou a acreditar. Era uma metralhadora. Grande. Devia ser quase do tamanho do próprio menino. Como uma arma daquela tinha ido parar nas mãos de uma criança?
- Coé, simpatia? Nunca vi tua fuça por aqui... de onde cê brotou?
Ele sentiu a adrenalina cair em seu sangue, fazendo-o arrepiar de cima a baixo, criando um vácuo em seu estômago. Deu um passo para trás e se virou para seguir na outra direção, mas viu outros dois garotos - ambos armados - vindo em sua direção a passos largos. Tentou uma terceira opção, mas sentiu o primeiro garoto puxando a gola de sua camisa e fazendo ele girar para encará-lo:
- Aí, falei contigo, seu merda! Quem é você, e como cê veio parar aqui no meio?
Ele continuava recuando, e o garoto avançava. Seu olhar era selvagem, e ele sentiu um cheiro enauseante. Cheiro de pólvora queimada, de sangue, e de morte. Não entendia como podia saber a diferença, mas tinha certeza que o garoto cheirava a morte. Aliás, o ambiente todo. Ele tentou falar alguma coisa, mas as palavras não saíam. Ele sentiu o nó na garganta, tentou vencer o medo, tentou falar. Mas as palavras que ouviu não sairam de sua boca.
- Relaxa, JP. O cara tá comigo.
E lá estava ela, como um anjo salvador.
Ele nunca tinha ficado tão feliz em ver Alea.
Fim do Capítulo VII
Capítulo VI
Ele descia as escadas quase perdendo o equilíbrio com a força das batidas de seu próprio coração. Não entendia por que estava tão nervoso. Mas por outro lado, não parecia nervosismo, era algo diferente, uma sensação que ele não conseguia detectar. Aguçou os sentidos para procurar o motivo real da taquicardia. E foi aí que ele ouviu, no início quase imperceptível, e depois mais nítido. Eram crianças. Brincando.
Eram, de fato, os inconfundíveis gritos agudos de excitação infantil. Pareciam estar vindo lá de baixo, do saguão. Ele diminuiu o passo e foi descendo cuidadosamente, seguindo o som. Pelo som, calculou que estava há apenas um andar do térreo, mas ficou surpreso ao perceber que ainda havia outro andar para cruzar, e mais outro. O som aumentava, parecia agora que as crianças estavam na própria escada. Ele desceu mais um lance e chegou ao térreo. A portaria insignificante estava abandonada, e não parecia que havia qualquer zelador ali agora ou em qualquer momento. Haviam duas portas de vidro abertas que davam para a rua. O barulho estava forte agora, ecoava nas paredes. Deveria haver um batalhão de crianças brincando ali mesmo há poucos metros dele. Mas não havia nada.
Por um momento, ele não teve o que pensar. Estava assustado. Muito assustado. Começou a duvidar da veracidade de tudo o que o cercava. Poderia muito bem estar sonhando, sonho dentro de sonho dentro de sonho, e se fizesse esforço, conseguiria acordar em sua própria cama, em sua própria vida. O frustrava demais não saber que vida era essa. Não sabia nem ao menos seu nome, muito menos quem era, onde morava, o que fazia... se tinha família, uma mãe, um pai, mulher, filhos... e se ele ficasse para sempre preso nesse sonho, alguém daria pela falta dele? Alguém viria buscá-lo? A sensação de desamparo era enorme, ele se sentiu uma criança.
Criança. Crianças. As crianças brincavam enfurecidamente, mas ele não as via. Prestou bastante atenção, e percebeu que embora o som estivesse forte como se fosse gerado no próprio ambiente, ele não se comportava como tal. Parecia vir de fora...
Sem saber muito bem por que, ele foi até a porta, as pernas trêmulas. A claridade lá fora o ofuscava, e ele não conseguia nem ao menos enxergar a rua. Mas não conseguia parar. Tinha que sair dali, tinha que cruzar a porta. E então, em um passo, ele alcançou o exterior.
E de repente seus olhos doeram e incharam, e o som das crianças ficou ensurdecedor, embora elas não gritassem. E ao som das crianças juntou-se o som de carros, de conversas, pessoas, talheres batendo em pratos, canto de pássaros, farfalhar de folhas, todos extremamente altos, como uma televisão ligada no volume máximo. E um som começou a se sobrepor a todos, retumbante como um trovão, ritmado e acelerado, fazendo ele quase desfalecer com cada batida. Era seu coração.
Então ele gritou, um grito capaz de gelar a alma de um continente inteiro.
Fim do Capítulo VI
Capítulo V
Ele sentiu que acordava, um pouco tonto. Abriu os olhos. Tudo estava escuro. Estava deitado meio torto, com as pernas e a cabeça elevadas. Deveria ser um sofá, ele pensou. Milhares de coisas zuniam em sua cabeça. Novamente, a sensação de um sonho que fugia da memória o atacou, mas dessa vez ele não pretendia deixá-lo ir embora. Concentrou-se, os olhos apertados, e tentou buscar alguma imagem em sua cabeça. Qualquer que fosse. Ele quase conseguia se lembrar... quase... sentia um resquício de um choque em seu corpo... agudo, intenso.... um som monótono e contínuo de fundo, algumas imagens em preto-e-branco de pessoas com roupas estranhas... mas tudo era muito vago, e ele finalmente desistiu, largando o corpo suado e dolorido de tensão no sofá. Respirou fundo algumas vezes - o ar entrava fresco em seus pulmões, como que expulsando um ar viciado e velho de lá. Ele olhou novamente em volta. Seus olhos agora tinham voltado a funcionar plenamente, e ele podia ver que estava em uma sala não muito grande. Uma passagem sem porta levava a um outro ambiente ainda menor, de onde entrava a única luz do lugar por uma pequena janela basculante de vidro sextavado. Parecia uma cozinha, pelo vago contorno dos móveis e objetos que lá havia. Do outro lado da janela, lances de verde sugeriam árvores lá fora. Ele se sentou no sofá, deixando passar a tontura.
Ele se sentiu estranho em relação ao lugar. Parecia pequeno demais, embora não fosse tão pequeno em termos gerais. Olhou para os lados atrás de um interruptor, e avistou um ao lado da porta da cozinha. Acendeu a luz e teve de fechar os olhos por um instante, piscando para acostumar-se à claridade. Olhou em volta, agora percebendo realmente o lugar. Era uma casa simples, apenas aquela sala, a minúscula cozinha e uma porta que ele adivinhou que levava ao banheiro. Alguns móveis velhos de madeira amontoavam tranqueiras pelas paredes. Quem quer que o tivesse deixado ali não tivera o trabalho de abrir o sofá-cama antes de deitá-lo. Não sabia quanto tempo tinha ficado ali, mas seu pescoço doía do mau-jeito. Havia uma pequena mesa redonda em um canto, onde ele avistou um bilhete. Apanhou-o e leu numa caligrafia bastante inteligível:
"Neném
Não pude esperar você acordar. Não devo demorar, então sinta-se em casa. Não tem televisão nem rádio, mas tem um pacote de biscoito em algum armário da cozinha. Se as baratas não tiverem comido, é seu. Não quebre nada e tente não sair de casa. Não gostaria de pensar em você andando por aí sozinho... Se cuida!
Alea."
Não gostaria de pensar em você andando por aí sozinho? O que importa a ela afinal? Pensou ele, enquanto amassava o bilhete e o jogava no chão. Olhou para si mesmo, e percebeu que não estava mais com aquelas roupas desajeitadas que ela o fizera vestir, mas com uma calça jeans e uma camiseta um tanto velha, branca e sem estampa. Ambos do número certo. Tentou não pensar em como ela tinha trocado a roupa dele enquanto estava inconsciente, e rumou para a porta, procurando a chave em algum lugar. Apenas por desencargo, girou a maçaneta - e a porta abriu. Ela esqueceu de trancar, ou fez de propósito? Ele ponderou enquanto olhava para os dois lados do corredor que se revelou. Ninguém à vista.
Então, com uma leve mas passageira hesitação, ele fechou a porta atrás de si e rumou para as escadas.
Fim do Capítulo V
~ sexta-feira, dezembro 21, 2001
Capítulo IV
De alguma maneira, ele se sentia melhor. Talvez porque não estivesse mais nu, ou talvez porque não estivesse mais sozinho. De qualquer forma, ele perguntou:
- De quem é esse lugar afinal? Aliás, ONDE é?
Mais uma vez ela olhou para outro lado e falou com expressão desinteressada:
- A casa de um cara. Eu fazia uns serviços pra ele, ele morreu, agora não faço mais. Venho aqui de vez em quando arrumar as coisas.
Ela definitivamente não parecia o tipo de mulher que iria limpar apartamento do ex-patrão falecido, ele pensou. Havia muito mais sobre aquela mulher do que aparentava. Ajeitando-se na cama para ficar de frente para ela, ele a examinava com o olhar enquanto perguntava:
- Mas você fazia exatamente o quê para ele?
- Já falei, coisas! - ela abanou o ar com uma mão, enquanto arrumava o que havia bagunçado no armário, de costas para ele, que continuou:
- Que tipo de coisa?
- Ah, de tudo um pouco. Eu era assistente pessoal dele, melhorou? - o tom de voz dela denunciava um início de irritação.
- Por exemplo?
Ela se virou com o nariz torcido, e, colocando as mãos na cintura como uma criança emburrada, falou em tom de desaforo:
- Ah, é só mesmo o que me faltava! Um Zé-ninguém enxerido que caiu do céu no meu colo!
Ele se empertigou defensivamente:
- Zé ninguém?!
- É! Zé ninguém sim! Afinal vc não tem nome... pronto, vou te chamar de Zé! Zé Ninguém!
Ele olhou de lado, pensando em responder, mas percebeu a tempo que estaria caindo no jogo infantil provocativo de Alessandra. Lançando a ela um olhar de desdém, virou-se e passou a colocar o cinto. Ela, não se sentindo intimidada, continuou para si mesma:
- É, neném... Zé ninguém.... zé neném.... - e ria alto, sozinha, das bobagens que falava. Parecia entorpecida, embriagada. Ele temeu - na verdade, teve certeza - que ela fosse uma completa louca. Mas até o momento era a única pessoa que ele conhecera, e parecia ser uma aliada. O jeito era aguentar, ao menos por enquanto. Completamente vestido, ele se levantou e passou por ela, alheio às gargalhadas. Olhou-se no espelho, detendo-se um instante no reflexo do rosto. Ainda não se acostumara com aquilo. Era tão estranho... examinou a roupa. Em outra situação teria se recusado a sair com aquilo, estava realmente ridículo. Mas não naquela situação... ali, muitos dos seus critérios pareciam estar do avesso. Sentiu uma urgência de sair dali, procurar alguma resposta, algum caminho de volta para sua realidade - qualquer que fosse ela. Virou-se para a porta e, encaminhando-se para lá, disse:
- Alea, eu estou saindo. Muito obrigado por tudo, mas eu realmente preciso descobrir onde eu tô e o que aconteceu comigo. Foi um enorme prazer, espero que a gente se cruze. Tchau.
Nesse momento ele sentiu a mão dela em seu ombro. O toque foi algo de inexplicável. Sua mão era quente, macia, seu toque suave porém firme, seu calor extremamente agradável praticamente ignorou a camada de tecido que havia entre a mão e seu ombro, e penetrou em seu sangue fazendo ele tremer levemente em algum lugar lá dentro. Ele parou, surpreso. Embora estivesse sem memória, tinha plena certeza de que não era a primeira vez que alguém encostava nele. Então por que o toque dela tinha sido tão intenso sensorialmente? Um tanto atordoado, ele se virou enquanto ela puxava seu ombro para fazer com que ele a encarasse. Ela piscou para ele, sorriu, e disse:
- Tá pensando que vai a algum lugar sem euzinha, neném?
Tonto, sem saber o que fazer, ele simplesmente pegou a mão dela e jogou longe com uma certa força. Ela, pega de surpresa, gritou:
- Ei!!
Ele estava com a respiração pesada, o batimento cardíaco acelerado, bufando. Ela apenas o olhava, esperando alguma explicação para aquele comportamento. Ele, absolutamente confuso, hesitou antes de finalmente falar:
- Não me chama de neném!
E antes que ela pudesse fazer ou falar qualquer coisa, virou-se em direção da porta e a abriu com violência, decidido a ir embora.
E então, do nada, uma dor forte e aguda nasceu em sua cabeça, como se mil agulhas gélidas fossem cravadas em seu cérebro ao mesmo tempo. Ele gritou, cambaleou para trás, e tudo à sua volta escureceu novamente...
Fim do Capítulo IV
Gente, más notícias. Devido a uma viagem que surgiu em cima da hora, não poderei postar o cápítulo de amnhã. Não garanto nem que a situação vá se normalizar no domingo, o mais provável é mesmo que eu só volte a atualizar depois do dia 25... é, eu sei que prometi. Mas assim que eu tiver a chance eu vou botar todos os capítulos que deveriam ter sido postados. Por enquanto, fiquem com o capítulo IV.
O Autor
~ quinta-feira, dezembro 20, 2001
Capítulo III
O silêncio que se instalou no ambiente era mortal. Demorou alguns segundos até ele se virar na direção dela, os braços estendidos para os lados e as mãos abertas, deixando as palmas à mostra. Uma atitude meio idiota, ele pensou, afinal ele estava nu. Ela começou a mover a arma lentamente para o lado e ele seguiu a direção que o cano apontava, como que magicamente comandado. Ela o guiou até a cama, e ordenou que sentasse. Ele obedeceu, e por quase um minuto os dois apenas se encararam. Havia uma tensão o palpável no ar. Ela se aproximou dele, a arma quase encostando em seu nariz, e parou. Olharam-se mais um pouco, até que ela abaixou a arma:
- É, você não parece um assaltante não. A não ser que seja uma nova moda, assaltos naturistas. - Ela riu brevemente da própria piada. Ele permaneceu calado. - Então, neném. Vai me dizer agora quem é você, por que está aqui pelado e o mais importante, por onde diabos você entrou se eu tenho a única chave daqui e todas as janelas estão inteiras?
Ele desviou o olhar para o chão. Por onde começaria? Respirou, pensando em algo que não parecesse ridículo, mas só o que conseguiu dizer foi:
- Eu não lembro quem eu sou. Só sei que acordei aqui e não sou quem eu era antes.
A mulher franzeu o cenho.
- Coméquié?!
- É, isso mesmo que você ouviu. Não sei quem eu sou, não lembro meu nome, nem de onde eu vim nem o que eu fiz ontem, ou em qualquer dia antes desse pra ser franco. Só sei que acordei aqui, e meu rosto não é meu rosto.
Ela foi se sentando lentamente numa cadeira ao lado da cama, olhando ele como quem tenta achar lógica em um quadro surrealista:
- Você... não sabe quem é, e não é quem era... é isso? - Ela parou um pouco, depois continuou - Bem, se você está com amnésia, como é que sabe que seu rosto "não é seu rosto"?
Ele não respondeu. Realmente, como saber que aquele não era seu rosto mesmo e que a estranheza não fora apenas um efeito da falta de memória? Não, ele concluiu. Realmente aquele rosto não era o seu. De alguma maneira, ele sabia disso. A mulher bateu as mãos espalmadas nos joelhos várias vezes de leve, emitindo um "hmmm" baixo e longo, como que pensando sobre alguma coisa. Repentinamente, parou com o movimento das mãos e olhou para ele falando alto e atropeladamente:
- Olha antes de tudo, será que dava pra você se vestir? Eu não estou acostumada a ficar olhando homem nu por tanto tempo. - ela foi enfática no "olhando". Ele não entendeu. Ela se levantou e foi em direção do armário enquanto falava - Aqui deve ter alguma roupa que sirva em você... não acho que vá combinar com o seu tipo, mas é melhor do que nada. Vejamos... - ela abriu algumas gavetas, remexendo nas coisas. Ele perguntou:
- Você mora aqui?
- Não. - Ela respondeu, e continuou o que estava fazendo. Ele insistiu:
- Mas você tem a chave, e não mora aqui?
Ela se virou, trazendo algumas peças de roupa nas mãos. Uma calça social de linho, uma camisa xadrez, meias e cuecas. Pareciam ser de um número bem maior do que o dele. Ela o olhou nos olhos, e disse:
- Não é o auge da moda, eu já disse, mas o dono não vai se importar se você usá-las. - E atirou as roupas no colo dele. Ele começou a separar as peças e examiná-las, desconfiado. Realmente, eram pelo menos 3 números acima do dele. Vestindo a camisa, ele perguntou:
- O que você faz aqui afinal?
Ela olhou para o teto, limpando as unhas:
- Coisas. Pode-se dizer que eu trabalhava pro dono da casa.
- Ele te despediu?
- Ele morreu.
Por um momento, ele parou o gesto no meio. Depois, dando de ombros continuou. Já estava pondo os sapatos, quando levantou a cabeça intrigado, e virou-se para ela:
- Eu não cheguei a perguntar seu nome...
Ela sorriu:
- Achei que não ia perguntar nunca, neném! - e completou, piscando um olho - Alessandra. Mas todo mundo me chama de Alea.
- Alea... - ele repetiu. E sorriu, pela primeira vez no dia. - Prazer em conhecê-la, Alea.
Fim do Capítulo III
~ quarta-feira, dezembro 19, 2001
Capítulo II
Ele não contou o tempo que ficou olhando para a estranha face no espelho a sua frente. Mas voltou rapidamente a si quando ouviu o barulho vindo da porta. Era a maçaneta girando. Estava vindo alguém.
Ele se virou para a porta, e vasculhou o quarto com o olhar, à procura de alguma almofada ou lençol, mas era tarde demais. A porta já se abria, e ele, estático, prendeu a respiração.
Foi aí que ela entrou. Devia ter 1,75m, dos quais boa parte eram das pernas roliças e longilíneas, que carregavam seu corpo a passos largos para dentro do quarto. Ela usava sapatos de salto, um par de meias escuras e uma saia de crepe cinza. Um blazer azul-marinho, aberto, permitia vislumbres da blusa branca com os dois botões de cima soltos, e a sombra do soutien preto que sustentava seios apenas grandes o suficiente para menear de leve com a força das passadas. O rosto, bonito e compenetrado, era adornado por um par de brincos de argola, com os quais brincavam as pontas de seu cabelo, cortado logo abaixo das orelhas. Seus lábios eram pequenos e vermelhos, o nariz fino, os olhos grandes olhando para o chão...
De súbito, o olhar dela se levantou e encontrou o dele. Ela estancou, esbugalhando os olhos e quase derrubando a pasta que trazia na mão. Encararam-se por um longo instante. E então, as pálpebras dela relaxaram novamente, e ela o examinou lentamente de cima a baixo, e de volta ao rosto. Ele permaneceu ali, imóvel, esperando pelo grito. Mas não foi o que ouviu. Ao invés disso, ela sorriu - apenas com metade da boca - e falou com sua voz grave e rouca:
- Ora mas que diabos! Meu presente de natal veio mais cedo?
Ele não respondeu. Tudo era muito estranho, muito confuso. Seu instinto o aconselhou a sair dali e fingir que nada acontecera. Esboçou um passo em direção à porta, mas imediatamente o semblante da mulher endureceu, e ela falou, agora em tom severo:
- Quietinho aí, quem quer que você seja! Você não vai a lugar nenhum antes de me dizer quem é e o que diabos está fazendo aqui. - ela baixou os olhos para o corpo dele outra vez e acrescentou, mais para si do que para ele - E sem roupa nenhuma!
Ele abriu a boca. Parou. Não tinha o que falar. Fechou-a novamente e fitou a mulher, pensativo.
- Que foi? - ela incitou - O gato comeu sua língua?
Ele ficou parado por mais alguns segundos, sentindo que aquele absurdo todo o exauria. Suspirou longamente, e outra vez se moveu em direção à porta. Ela não disse nada dessa vez. Levou a mão à pasta com extrema agilidade, e puxou de lá um objeto que reluziu ao ser apontado na direção dele. E ele sentiu seu sangue gelar ao ouvir o engatilhar da arma. Ela o encarou, fria, e sua voz retumbou:
- Escuta aqui, neném, você vai me dizer que merda está acontecendo, e vai ser agora!
Fim do Capítulo II
Ok pessoal, ligeira mudancinha de planos - espero, para melhor. Resolvi nesta primeira semana postar diariamente aqui, e não de dois em dois dias, que é para estabelecer um cenário mais rápido e colocar o conto em um lugar mais confortável de escrever. Vai ser um especial-até-o-natal, e depois assumo o ritmo de 2 em 2 dias como era previsto. Portanto, se estiverem curiosos para saber sobre que diabos se trata essa página, apareçam aqui diariamente que vai ter mais uma peça de história esperando vocês.
Abraços
O Autor
~ terça-feira, dezembro 18, 2001
Capítulo I
O barulho do despertador pareceu nascer longe, e foi se aproximando - ou seria ele que se aproximava da consciência? Um movimento instintivo de seu braço jogou a mão sobre o botão desajeitadamente, derrubando o relógio na mesinha. Ele levantou a cabeça, fazendo uma careta. Os olhos ainda estavam grudados, como depois de um sono mais longo do que o usual. Resquíscios de um sonho que parecia importante ecoavam em sua cabeça. Ele tentou se lembrar, mas o sonho não estava mais lá. Durante alguns segundos, ele insistiu, mas só havia a sensação de algo extremamente sério e importante. A memória estava perdida para sempre.
Um tanto contrariado, ele abriu os olhos. Acostumou-se com a claridade pouco a pouco, e ao olhar em volta, percebeu que não sabia onde estava. Mais uma das sensações esquisitas que eventualmente ocorrem no despertar, ele pensou. O sol já estava alto, e ele estranhou. Geralmente acordava antes do sol raiar para... o que mesmo? Achava que era para trabalhar, mas não conseguia se lembrar! Ora, que inferno! O que estava havendo com sua memória? Seria possível que ela já estivesse tão cheia de buracos aos... ele se esforçou... vinte e seis anos? Aaah, ao menos lembrava sua idade! E seu nome também, que era... era....
Os olhos se abriram de uma vez, o sono expulso por uma sensação de nó no estômago. Ele definitivamente não lembrava seu próprio nome. A certeza de que ele tinha um nome, a lembrança da sensação de ser chamado, estavam lá, mas o nome não. Desaparecera como o sonho. Olhou em volta e constatou que ainda não sabia onde estava. Respirou fundo e tentou organizar os pensamentos. Ok, ele estava em algum lugar estranho - que ao que lhe constava, podia até mesmo ser sua própria casa - e com uma amnésia severa. A primeira coisa a fazer seria procurar alguém ali perto e perguntar se o conhecia. Certo. Ele se levantou da cama e rumou para a porta.
No meio do caminho, percebeu que estava nu. Não podia sair dali daquela maneira. Nem ao menos sabia aonde a porta do quarto ia dar. Seus olhos localizaram o armário embutido na parede, e ele atravessou o quarto, abrindo a porta do armário na esperança de achar qualquer coisa mais apresentável. Foi quando deu de cara com o espelho na porta do armário. E seu estômago se revirou novamente.
Podia não lembrar seu nome ou onde estava, mas lembrava-se claramente de seu rosto.
E aquele não era seu rosto.
Fim do Capítulo I
~ segunda-feira, dezembro 17, 2001
Ok, galera, aqui está meu novo conto, meu primeiro conto on-line e seriado. O sistema da página vai ser o seguinte: Vou postar os capítulos de 2 em 2 dias, vou instalar um guestbook para críticas, e um sistema de comentários para quem quiser discutir cada capítulo, dar sugestões, dizer o que tá achando, enfim. O conto é seriado e sem data certa pra acabar, depende do público. Capítulos e posts referentes à história serão escritos em preto, e os comentários em vermelho. Mais tarde eu coloco o primeiro capítulo no ar, assim como os recursos da página.
Até daqui a pouco.
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